Fusão entre Marfrig e BRF promete ganhos logísticos
Com exclusividade para a MundoLogística, especialista avaliou impactos em transporte, armazenagem, suprimentos e cadeia global da integração
A Marfrig e a BRF anunciaram no dia 15 de maio a fusão de operações, formando a MBRF Global Foods Company S.A., uma nova empresa do setor de carnes e alimentos processados com faturamento estimado em R$ 153 bilhões ao ano. Segundo estimativas divulgadas pelas companhias, a operação prevê sinergias de pelo menos R$ 800 milhões anuais e um ganho tributário adicional de R$ 3 bilhões.
De acordo com reportagem da Folha de S. Paulo, a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão e maior produtora brasileira de frango, será incorporada pela Marfrig e se tornará uma subsidiária integral. A incorporação das ações prevê uma relação de troca de 0,8521 ação da Marfrig para cada ação da BRF.
Após a operação, o fundador da Marfrig, Marcos Molina, continuará como maior acionista individual da nova empresa, com 41% do capital — abrindo mão do controle formal, mas mantendo forte influência.
Segundo o especialista e diretor-presidente da Tigerlog, Marco Antonio Neves, um dos principais ativos da BRF que será incorporado pela Marfrig é a expertise no relacionamento com transportadoras de diversos portes, especialmente em regiões como Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.
“A BRF tem um know-how gigantesco em gestão de transportadoras. Eles sabem lidar tanto com empresas muito familiares quanto com grandes transportadoras. Foram pioneiros na cogestão com transportadores, em práticas de segurança e em sistemas de monitoramento”, disse.
De acordo com ele, isso vai trazer benefícios em termos de redesenho de rotas, introdução de novos conceitos no transporte de cargas, adoção de novos equipamentos e integração de sistemas.
Neves acrescentou que, com o novo volume de operações, haverá grande potencial para avançar em Inteligência Artificial, telemetria, torres de controle e negociação de fretes em escala. “Imagine a massa de frete que se passa a movimentar em uma empresa com mais de R$ 150 bilhões de receita. Centralizar essa gestão abre caminho para ganhos gigantescos.”
CDs MULTIPROTEÍNA, CAPILARIDADE E COMPRAS
A fusão também prevê a criação de centros de distribuição multiproteína, reunindo produtos das duas empresas. Segundo Neves, a BRF possui uma malha logística mais capilarizada, o que representa um diferencial importante para a integração.
“A BRF tem uma malha mais ampla e, em muitos casos, com áreas de cobertura semelhantes às da Marfrig. Isso amplia muito a capilaridade logística”, destacou. O especialista analisou que, mesmo que os CDs atuais não comportem a unificação completa, essa união traz grandes mudanças comerciais.
“As negociações com operadores logísticos, como Friozem, LogFrio e Movecta, ganham outra escala. A volumetria será maior e o poder de barganha também. A Marfrig passa a acessar regiões como Centro-Oeste e Nordeste com muito mais eficiência, enquanto a BRF passa a viabilizar melhor suas rotas de transferência. É um benefício mútuo”, pontuou.
Conforme reportagem do Brazil Journal, as sinergias esperadas envolvem também otimização na compra de suprimentos e insumos. Na avaliação de Neves, a escala da nova companhia transformará a forma como ela se relaciona com fornecedores.
“Trata-se da criação de uma empresa com 8 milhões de toneladas de alimentos produzidos por ano, mais de 130 mil colaboradores e presente em 117 países. A capacidade de negociação muda completamente”, explicou. “Já havia força antes, mas agora, juntas, BRF e Marfrig terão um poder de fogo que poucos players no mundo possuem. É uma empresa preparada para fazer frente a qualquer concorrente global.”
No entanto, ele observou que esse novo posicionamento pode gerar reações do outro lado da cadeia. “Alguns fornecedores podem rever sua postura frente a esse novo cliente. Isso é natural. Mas, se for bem explorado, é um ganho excepcional.”
LOGÍSTICA INTERNACIONAL E TRIBUTOS
A integração internacional é outro destaque. Conforme apontado por Marcos Molina ao Brazil Journal, a BRF possui uma estrutura de distribuição eficiente no Oriente Médio, e a carne bovina da Marfrig deve passar a integrar esse portfólio.
Marco Antonio Neves enfatizou os canais comerciais criados por essa dinâmica. “Onde a Marfrig já tem força, a BRF entra. Onde a BRF é líder, a Marfrig se fortalece. O alcance global se multiplica e os clientes passam a ter uma oferta mais completa. Isso é um benefício enorme para a cadeia como um todo, inclusive na gestão logística internacional”, disse.
Segundo as empresas, o ganho fiscal estimado com a fusão gira em torno de R$ 3 bilhões, com destaque para redução de ICMS e uso de créditos acumulados pela Marfrig. Mas, apesar de reconhecer a importância desse benefício, Neves alertou para os efeitos colaterais.
“O ganho fiscal é real, mas distorce a malha logística. A gente vê operações localizadas artificialmente por conta de incentivos. Eu não sou entusiasta disso”, confessou. “A decisão logística deveria seguir critérios técnicos e não fiscais. Mas, no Brasil, isso ainda é uma realidade. O crédito de ICMS e outros mecanismos certamente tiveram peso nessa fusão.”
DESAFIOS DE INTEGRAÇÃO E CULTURA CORPORATIVA
Outro destaque de Neves foi a questão dos desafios culturais e operacionais da integração de duas estruturas grandes e distintas. Hoje, a BRF possui 100 mil funcionários e operação verticalizada, enquanto a Marfrig é reconhecida pela atuação internacional consolidada.
“Fusões nunca são fáceis. Existe orgulho, vaidade e cultura diferente. A BRF já enfrentou isso quando uniu Sadia e Perdigão, mas, nesse caso, vejo muitas sinergias possíveis”, observou. “As empresas usam sistemas semelhantes, têm parceiros logísticos próximos, trabalham com dezenas de transportadoras que poderão ser racionalizadas.”
Para ele, também há oportunidades em ESG, segurança viária, sustentabilidade. E, apesar da provável redução de pessoal, o especialista enxerga grandes oportunidades de aprendizado.
“É um espetáculo empresarial”, disse. “Quem acompanha o setor vai observar os efeitos dessa integração no mercado nos próximos dois ou três anos. As ações vão aparecer e os resultados também. O Brasil está consolidando um novo gigante da logística e da cadeia de alimentos.”